2013. dec 04.

Uma diplomacia jornalística

írta: Janguli
Uma diplomacia jornalística

bogyay-katalin.gifEla é jornalista, mas é também diplomata. Nasceu na Hungria, mas viveu em Londres por 13 anos. Foi criada em um regime ditatorial e, talvez por isso, seja uma grande defensora da democracia e da responsabilidade da mídia em um cenário de maior liberdade. Após atuar como crítica, repórter e produtora de televisão, Katalin Bogyay chegou ao campo da política e, presidente da Conferência Geral da Unesco a partir de 2011, acompanha o Fórum Mundial de Ciência (FMC) desde o seu nascimento. 

Empreendedora, ela fundou o Instituto Cultural da Hungria em Londres e o dirigiu por sete anos. Em reconhecimento ao destaque de suas contribuições, a economista de formação recebeu diversos prêmios, um documentário a seu respeito e, após a experiência à frente da reunião da Unesco, lançou um livro que resume seus pontos de vista a respeito dos mais variados assuntos. Hoje em dia, Bogyay atua como embaixadora da Hungria no âmbito da organização e defende um diálogo cada vez mais aberto entre as nações. 

Mediadora da sessão sobre diplomacia científica no FMC 2013, ela falou ao NABC sobre a prática jornalística, as implicações da queda do comunismo para os profissionais de mídia, o fortalecimento das relações europeias com países em desenvolvimento e a sua experiência como mulher de destaque em um mundo onde, apesar de representarem aproximadamente metade da população mundial, elas continuam sendo minoria nos cargos de poder. 

 

 

- Com uma bagagem profissional muito atrelada à prática jornalística, como a senhora avalia a responsabilidade dos jornalistas, principalmente aqueles que lidam com questões científicas, em informar a sociedade de maneira crítica e eficaz?

 

Catorze anos de minha vida se resumiram ao jornalismo, primeiro em veículos impressos e depois na televisão e rádio, onde trabalhava como produtora. Por isso, obviamente, a identidade da profissão é muito importante em minha trajetória. Em tudo o que venho fazendo desde que me tornei diplomata, eu nunca me esqueço que também sou uma jornalista e, talvez por isso, estou sempre analisando as situações sob diferentes ângulos. Ser diplomata e jornalista são, claramente, duas ocupações bastante diferentes. Aqui, no papel de embaixadora da Hungria na Unesco, estou falando como uma diplomata; na Unesco, entretanto, nós temos a responsabilidade de debater a atual situação do jornalismo e de seus profissionais, além da importância da liberdade de expressão. Então, além de cultura, educação e ciência, a comunicação também é um pilar essencial nas tarefas da Unesco e lá eu consigo combinar atividades relacionadas à diplomacia e ao jornalismo.

 

Atualmente, a comunicação se consagrou como um instrumento tão influente e uma ferramenta tão importante, que ainda não aprendemos a lidar com os seus efeitos. Nós estamos falando sobre duas coisas diferentes aqui. Uma é o conhecimento, o talento e a persistência dos próprios jornalistas; o quão comprometidos e bem preparados eles estão e o quão seriamente estão conduzindo seus trabalhos. Frequentemente, quando não pesquisam ou apuram as informações com seriedade, os efeitos do bom jornalismo ficam muito aquém de suas possibilidades. A segunda coisa se refere à construção de pontes. Eu acredito que, sem os meios de comunicação, é impossível chegar ao grande público e estabelecer um diálogo da sociedade com a ciência e das autoridades políticas com os cientistas. Na diplomacia científica, o que realmente importa é construir essas pontes de diálogo. E depois nós contamos as histórias às pessoas, para que elas entendam em que mundo estão vivendo. Nisso o jornalismo e a mídia têm um papel fundamental. Se nós não educamos e informamos a população de maneira satisfatória, como podemos esperar que elas ajam com respeito e sejam cidadãos conscientes? 

 

- E, em sua visão, os meios de comunicação estão fazendo um bom trabalho?

 

Infelizmente, e estou falando isso como jornalista e diplomata, é muito difícil vender histórias educacionais a jornais, rádios e canais televisivos, embora uma das atribuições do serviço público devesse ser ensinar e informar a população. Na verdade, eu acho que um jornalismo consciente no serviço público é uma grande questão da atualidade. Se pensarmos na ciência e no desafio de fazer as pessoas entenderem o que está se passando no mundo, é claro que o papel do jornalismo científico é fundamental. Por outro lado, os donos dos jornais e canais televisivos - e seus editores-chefes - devem ter consciência e responsabilidade também. Alguns programas de televisão deixam as pessoas estúpidas e ignorantes, como se fossem gomas de mascar que as fazem esquecer até mesmo de pensar. Isso é revoltante! Para aumentar a tiragem de seus jornais, todos estão a procura de temas 'atraentes'. Porque a ciência não se enquadra nessa definição, eles esquecem completamente de suas consciências e responsabilidades.   

 

Aqui, eu estou falando de uma mídia consciente guiada por preceitos éticos. Eu estive lutando por isso durante toda a minha trajetória profissional porque não acredito em uma mídia destinada apenas ao consumismo. Quer dizer, isso não é vida. E o real propósito da ciência é servir à humanidade. Na Unesco, por exemplo, nós estamos trabalhando em prol da colaboração internacional - também no âmbito científico - para que possamos alcançar paz e segurança juntos. Essa, de fato, é a grande questão. 

 

- Após a queda do comunismo, a senhora foi premiada pelo governo britânico com uma bolsa para estudar o papel da mídia em uma democracia. Quais foram as principais diferenças notadas na cobertura midiática durante esse período de transição?

 

Em um mundo, país ou sociedade ditados por um partido ou qualquer outra força, a comunicação é utilizada como forma de propaganda. Pode-se dizer que, em nosso tempo, quando éramos governados por uma ditadura, a mídia falava de ciência. Mas isso fazia parte de uma propaganda. Em uma democracia, falar de ciência e ser um jornalista científico significa, em primeira instância, que você deve construir sua própria integridade. Você não deve servir a interesses políticos de poder porque, de certo modo, o verdadeiro conceito do jornalismo é estar sempre do lado da população. Em sociedades nas quais a ciência faz parte de uma complexa arena política - como em um regime ditatorial - os jornalistas devem lidar com essas questões devido à sua importância no processo de conservação do poder. Nesse caso, elas apenas servem aos interesses de outra pessoa. Nas democracias, jornalistas estão em busca da verdade. E eu diria que a diferença está realmente na abordagem. Como você aborda cada tópico, qual o seu propósito? Para mim, os jornalistas deviam usar essa liberdade para encontrarem caminhos melhores. 

 

Eu fui criada em um tempo no qual as coisas eram diferentes e me lembro como era o jornalismo e de como era a censura quando não éramos livres. Também me recordo como tínhamos que encontrar um modo de nos comunicar e enviar as mensagens de modo que ficasse evidente que havíamos sofrido censura. Eu conheço esse sentimento e esse modo de se fazer jornalismo. Mas, após as mudanças políticas em 1999, eu imediatamente tive a oportunidade de trabalhar na BBC - que, para mim, é o melhor modelo de serviço público de transmissão de informações - e entender como o jornalismo deveria ser praticado em uma democracia. Nesse sentido, eu acredito que a integridade, o conhecimento e o profissionalismo dos jornalistas são muito importantes nesse sistema de governo. 

 

- A senhora veio o Brasil participar do Fórum Mundial de Ciência. Em sua opinião, qual a importância desse evento?

 

Eu estou envolvida na organização do Fórum Mundial desde o seu nascimento. Em 1999, nós tivemos a Conferência Mundial de Ciência, que foi um grande evento internacional da Unesco em colaboração com a Academia de Ciências da Hungria. Na época, eu era uma apresentadora que vivia em Londres e trabalhei por um ano na campanha de comunicação dessa Conferência. Durante todo esse tempo organizei entrevistas coletivas, marquei encontros com os palestrantes do evento e tentei construir as pontes que interligariam a audiência, a Unesco e a Academia da Hungria. Nesse ano, com apoio de uma equipe bastante internacional, também filmamos a série "Responsabilidades dos cientistas no século 21" em diversos países ao redor do mundo. Algum tempo depois eu me tornei uma diplomata e continuei morando em Londres, onde fundei o Instituto Cultural da Hungria. Mas veja como a vida dá voltas: quando me tornei embaixadora na Unesco, em 2009, voltei imediatamente a fazer parte da organização do Fórum Mundial, graças à parceria da Academia da Hungria com a Unesco.   

Então eu realmente estou acompanhando o evento desde o seu início e me lembro bem do momento em que começamos a pensar sobre expandir seus horizontes. Ele sempre foi um Fórum sobre diplomacia científica que reunia autoridades, políticos e cientistas. Esse é um ponto muito importante porque não são todas as conferências científicas que abordam esse tema. Eu também me recordo de quando conheci o presidente da Academia Brasileira de Ciências, que estava indo à Budapeste com certa freqüência, e nós começamos a conversar sobre a abertura das vias de comunicação entre os dois países. Algum tempo depois, o Prof. József Pálinkás, presidente da Academia de Ciências da Hungria, a Sra. Irina Bokova, diretora geral da Unesco, e eu tivemos uma discussão muito positiva sobre o assunto. Lá, Pálinkás propôs um formato em que, a cada quatro anos, nós teríamos o WSF em outro país, alternando a cada dois anos com Budapeste. Seguindo essa lógica, o próximo Fórum será na Hungria e, daqui a quatro anos, como foi decidido pelo Comitê Executivo, ele será sediado pela Jordânia. 

- Tendo importante atuação na área de diálogos interculturais, a senhora enxerga a decisão de trazer o evento primeiro ao Brasil como uma oportunidade de fortalecer a participação de economias em desenvolvimento nas políticas e negociações científicas? 

Eu acho que essa foi uma decisão de extrema importância porque não se trata apenas de colaboração científica entre o Brasil e a Hungria; trata-se, na realidade, de colaboração entre o norte e o sul, entre os países em desenvolvimento e os já desenvolvidos, entre a Europa e outro continente. Eu estou muito feliz que a Hungria esteja desempenhando um papel tão proativo e influente nesse processo, pois, hoje em dia, é impossível resolver qualquer coisa apenas no âmbito do seu país. Sobre a ciência, então, todos sabem o que Pasteur disse: ela não tem fronteiras. É claro que ele também disse que cientistas têm suas próprias casas e países, então esse é certamente um assunto complexo, mas eu realmente sinto que, na preparação do WSF 2013, a colaboração entre as academias de ciências do Brasil e da Hungria foi muito criativa e positiva. Ela já deixa a mensagem de que, para criar algo substancial para a humanidade, é necessário trabalhar em equipe. 

Dessa vez a opção era claramente o Brasil, já que o Prof. Jacob Palis manifestou o interesse da ABC em organizar o Fórum. E eu acho que foi ótimo o Brasil ter iniciado esse novo formato. É claro que essa conferência custa muito dinheiro e, até agora, todas as suas edições haviam sido financiadas pelo governo húngaro. Portanto, os políticos e governantes que se interessam em sediá-la devem estar cientes: não se trata apenas da academia de ciências do país sede. As academias certamente contribuem com a expertise, mas também existe um comprometimento diplomático e financeiro que deve ser levado em conta e é por isso que o governo desse país também deve estar totalmente engajado. Agora, a ideia é que o Comitê Executivo continue contando com representação brasileira, mas que também conte com representantes da Jordânia. É assim que o círculo será cada vez maior. Eu acho que trabalhar junto com o Brasil e a Jordânia na preparação da próxima edição do WSF, que será em Budapeste, funcionará como uma construção de competências e compartilhamento de experiências. Esse é um belo exemplo de real diplomacia científica e foi, em minha opinião, uma sugestão muito perspicaz do presidente da Academia de Ciências da Hungria.  

- E qual o papel das mulheres quando se trata de diplomacia científica?

Essa é uma questão muito complexa; há, em meu livro, um capítulo inteiro sobre isso. Eu tenho apoiado enfaticamente a atuação das mulheres na diplomacia científica e cultural porque elas são capazes de enxergar problemas a partir de diferentes ângulos. Elas buscam soluções. Além disso, as mulheres desempenham tantos papeis… Nós gostaríamos de ser bem-sucedidas em nossas carreiras, mas também desejamos filhos e uma família. Em nossas vidas, estamos envoltas em diferentes círculos e, de certo modo, estamos sempre nos comprometendo. Quando você está criando um filho e tem um emprego importante, é preciso comprometer todo o seu tempo disponível, além de aprender a tomar decisões acertadas e sempre pensar qual será o melhor caminho. E, na diplomacia, essa é uma característica fundamental. Às vezes não se pode ir direto ao objetivo final, então você deliberadamente muda as direções mas, em sua cabeça, está ciente de qual é a meta do seu trabalho. É por isso que eu acredito no potencial das mulheres na solução e prevenção de conflitos.   

E se nós pensarmos apenas na quantidade de meninas e mulheres cujo conhecimento não está sendo utilizado? E eu não estou falando sobre nenhuma outra coisa, porque eu poderia falar sobre a falta de direitos humanos e a falta de direito ao estudo e ao aprendizado, mas eu apenas pontuo: que pena que o mundo não está fazendo uso da habilidade de suas mulheres. Elas por vezes significam metade da população. Se tivessem a oportunidade de contribuir, o mundo estaria repleto de muitas outras possibilidades. O papel da mulher na diplomacia científica é fundamental e, no WSF 2013, eu pude ver moças brilhantes que são cientistas com presenças impactantes.  

E eu devo contar: durante minhas viagens oficiais como presidente da Conferência Geral da Unesco, em 2011, eu fui a lugares onde eu era a única mulher e não podia ter conversas políticas adequadas porque algumas pessoas não se sentiam confortáveis com a minha presença. Nesse sentido, uma vez fui ao Senegal, na África, acompanhar um importante programa da Unesco que ensinava mulheres adultas - muitas vezes já avós - que não tiveram a chance de estudar durante a infância, a ler e escrever. Eu acho que, na Unesco, esse é um tópico muito importante. Não podemos deixar de notar quantas mulheres ocupam cargos de liderança na instituição, o que por si só representa uma forte mensagem ao mundo. 

 

(Ana Siqueira para Notícias da ABC)

Fonte: http://www.abc.org.br/

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